
As administrações públicas locais são as primeiras a serem acionadas em desastres decorrentes de ameaças naturais ou provocados pela ação humana. Porém, grande parte desses órgãos é despreparada para responder a esses tipos de acontecimentos e poucos são aqueles que elaboram planos consistentes de mitigação de riscos. Para contribuir com a reversão deste quadro, foi lançado recentemente o guia "Como construir cidades mais resilientes", elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU). O material se propõe a auxiliar gestores públicos locais em suas políticas, tomadas de decisão e implantação de atividades relacionadas à redução de riscos ocasionados por enchentes, escorregamentos, tempestades, terremotos etc.
Fundamentado a partir de entrevistas com prefeitos e representantes de governos locais, além de especialistas e parceiros da campanha "Construindo cidades resilientes: minha cidade está se preparando!", o guia pontua dez passos essenciais para a construção de cidades mais resilientes. Ao longo da publicação, encontram- se diversos exemplos bem-sucedidos em cidades espalhadas pelo mundo. Curiosamente (ou não), nenhum deles aconteceu no Brasil.
De acordo com o guia, as ações, para serem efetivas, precisam se articular na composição de um plano estratégico de redução de riscos. A seguir, veja um resumo dos dez passos indicados pela publicação, cuja íntegra está disponível na internet
(http://www.unisdr.org/files/26462_guiagestorespublicosweb.pdf)
PASSO 1: Atribua responsabilidades
De acordo com o guia, a mitigação de riscos de desastres exige uma abordagem holística e deve envolver os tomadores de decisões dos governos locais, os funcionários municipais e estaduais, as universidades, os empresários e os cidadãos. Como fazer?
● Atribua a liderança a uma entidade ou estabeleça um escritório responsável dentro da administração do município para liderar a coordenação dos mecanismos entre todas as áreas e setores;
● Identifique obrigações, restrições e oportunidades do atual planejamento urbano e seus regulamentos, das leis nacionais e dos dispositivos regulamentares impostos pela administração do município;
● Aprimore os regulamentos locais com base em critérios de resiliência;
● Crie leis municipais que apoiem a redução de riscos de desastres em todos os setores, sejam eles públicos ou privados;
● Atualize os padrões ambientais, de construção, de planejamento e os estatutos de apoio à redução de risco, ancorando-os nas avaliações de risco mais recentes.
Quem já fez: a Província de Albay, nas Filipinas, que institucionalizou a redução de riscos de desastres, criando, em 1995, um escritório permanente para esse fim.
PASSO 2: Planeje o financiamento
Para viabilizar recursos que financiem as ações de mitigação de riscos, o guia da ONU indica os seguintes passos:
● Integre as medidas ao orçamento do governo local para ampliar a resiliência econômica, dos ecossistemas e de infraestrutura da cidade e busque complementação dos fundos estaduais e nacionais, incentivando os setores público e privado a participarem;
● Faça provisões orçamentárias para manter bem treinada a equipe e equipados os serviços de respostas a emergências;
● Considere punições e sanções para aqueles que ampliarem o risco e a degradação ambiental.
A cidade de Manizales, na Colômbia, reduziu impostos para aqueles que implantam medidas de redução de vulnerabilidades de moradias em áreas de alto risco de deslizamentos ou inundações.
PASSO 3: Conheça seu risco
O planejamento para redução de riscos de desastres só logrará êxito se as cidades tiverem um claro entendimento dos riscos a que estão submetidas. Como fazer?
● Delegue funções específicas ao setor apropriado da administração pública, como a preparação de uma avaliação compreensível com mapas de riscos que indiquem cenários de perdas;
● Prepare e mantenha atualizado um banco de dados dos danos referentes a eventos passados e estabeleça um mapa das ameaças atuais, com localização, intensidade e probabilidade;
● Divulgue essas ações em sites e em outros meios de comunicação.
Em Cuttack, na Índia, o processo de mapeamento é conduzido por organizações comunitárias formadas por moradores de ocupações irregulares e outros distritos. Os dados coletados foram utilizados para criar mapas digitais.
PASSO 4: Melhore a infraestrutura
Preparar a infraestrutura da cidade (rodovias, pontes, aeroportos, sistemas de comunicação, hospitais e serviços de emergência) é uma forma de proteção. O guia da ONU indica:
● Avalie os riscos de cada sistema, revise suas operações, sua efetividade e funções, e desenvolva programas para realinhar ou fortalecer aqueles que não estejam funcionando bem;
● Garanta que estradas e rodovias sejam projetadas para serem acessíveis em caso de emergências;
● Avalie a vulnerabilidade às ameaças naturais da infraestrutura já existente e invista, projete e construa uma nova - sustentável e em locais apropriados -, com alto padrão de resiliência às ameaças e às mudanças climáticas.
A construção de projetos de infraestrutura fora de áreas de perigo é uma das maneiras de aumentar a segurança. Onde isso não é possível, uma alternativa é a execução de projetos multiuso. Em Kuala Lumpur, na Malásia, um túnel de três níveis foi a solução. O patamar mais baixo é destinado à drenagem de chuvas pesadas. Os dois outros são destinados ao trânsito.
PASSO 5: Proteja escolas e hospitais
Instalações escolares e de saúde prestam serviços sociais essenciais e, por isso, devem receber atenção especial no que diz respeito à sua segurança, de forma a garantir sua continuidade nos momentos de maior necessidade.
● Estabeleça e implante planos de ação e programas para manutenção estrutural e resiliência física dessas instalações;
● Avalie o risco de desastres em escolas e hospitais e melhore ou reforme as unidades mais vulneráveis;
● Promova incentivos para formalizar parcerias com instituições privadas.
O Hospital das Ilhas Cayman, principal instalação de saúde do local, foi construído seguindo padrões para a categoria 5 de furacões. Durante e após o furacão Ivan (ocorrido em 2004 e considerado o mais severo em 86 anos), os 124 leitos do estabelecimento permaneceram em funcionamento e forneceram abrigo para mais de mil pessoas.
PASSO 6: Use bem o solo
A aplicação de códigos de construção e mecanismos de planejamento e monitoramento do uso e ocupação o solo são meio valiosos para reduzir a vulnerabilidade diante de desastres.
● Incorpore a redução de riscos de desastres e os impactos das mudanças climáticas aos planos e regulamentos de uso e de ocupação do solo, baseados nas avaliações de risco do município;
● Estabeleça um mecanismo participativo para redução de riscos em assentamentos vulneráveis, considerando as necessidades da população e as dificuldades de mudança imediata das práticas de construção já existentes;
● Mantenha um inventário atualizado da classificação do uso e da ocupação do solo e sua vulnerabilidade. O programa Baan Mankong (casas seguras), da Tailândia, canaliza fundos na forma de subsídios e empréstimos habitacionais diretamente a organizações comunitárias de moradores de baixa renda em assentamentos informais.
PASSO 7: Capacite a comunidade
Toda a comunidade precisa conhecer as ameaças e os riscos a que está exposta para tomar medidas de enfrentamento em caso de desastres.
● Conduza e promova campanhas de educação pública sobre redução de riscos de desastres e segurança com mensagens que tratem das ameaças locais;
● Estabeleça um programa de treinamento permanente e sustentável para personalidades-chave na cidade;
● Relembre o aniversário dos grandes desastres locais com o "dia da segurança a desastres", oportunidade em que as pessoas estejam bastante receptivas às mensagens de segurança.
Em Saijo, no Japão, escolas japonesas, desde o jardim de infância, ensinam crianças a identificar situações de desastres e a reagir diante delas, realizando simulados regularmente.
PASSO 8: Fortaleça os ecossistemas
Manter um equilíbrio entre as ações humanas e os ecossistemas é uma excelente estratégia para reduzir riscos naturais, de acordo com o guia da ONU. Como fazer isso?
● Eduque o público sobre as consequências negativas do aquecimento global e das mudanças climáticas;
● Faça parcerias para conduzir avaliações de riscos e de vulnerabilidades;
● Estabeleça programas de gestão sustentável de bacias hidrográficas para equilibrar as necessidades por água.
O custo estimado para melhoria de tubulações e tanques em Nova York, nos Estados Unidos, é de 6,8 bilhões de dólares. O investimento, todavia, será feito em infraestrutura verde em telhados, ruas e calçadas, facilitando a drenagem. O custo previsto para essa solução é de US$ 5,3 bilhões.
PASSO 9: Conheça os sistemas de alerta
Planos de preparação e de resposta a emergências bem concebidos não apenas salvam vidas e propriedades, como também contribuem para a resiliência e reconstrução após o desastre. Para pô-los em prática, a ONU recomenda:
● Estabeleça mecanismos institucionais e legais para garantir a preparação para emergências como parte das políticas públicas;
● Defina sistemas de comunicação, alerta e alarme que incluam medidas de proteção e rotas claras de abandono;
● Envolva uma ampla rede de organizações que inclua bombeiros, polícias, gestão de emergências.
Com cerca de 40% do território abaixo do nível do mar, Jacarta, na Indonésia, executou diversas melhorias em seu sistema de alerta e alarme. Centros-chave de coordenação e padronização dos procedimentos operacionais têm estabelecido e executado exercícios de simulados completos, de maneira que as instituições e comunidades estão agora mais aptas para reagir aos alertas.
PASSO 10: Recupere a cidade
Um processo de reconstrução bem planejado e participativo auxilia a cidade a reativar sua dinâmica, restaurar e reconstruir sua infraestrutura e recuperar sua economia.
● Considere a recuperação e a reconstrução como parte integral da rotina da redução de risos da cidade e do seu processo de desenvolvimento;
● Determine quais os recursos serão necessários e planeje, com antecedência, para garanti-los;
● Promova a participação de todos nos processos decisórios.
Após o tsunami de dezembro de 2004 em Sri Lanka, que destruiu completamente cerca de 100 mil residências, a maior parte das atividades relacionadas ao planejamento, à logística e à reconstrução da cidade foi delegada a beneficiários locais que tinham liberdade para negociar seus próprios custos e recebiam apoio de uma equipe técnica.